A letter from January 1st, 2021

Oi Nátalia, espero que tudo esteja bem por aí. Eu sentei pra escrever essa carta depois que a Pudim recebeu a dela. Hoje é o primeiro dia do ano, eu acabei de acordar e tô sentada na mesa da cozinha tomando café da manhã. Nosso pai tá sentado à minha esquerda, tomando os remédios dele. São 9h33 da manhã e daqui a pouco eu tenho que lavar a louça e aí começar a me arrumar pra ir pro Burguer King. A bem da verdade é que eu não sei exatamente o que dizer nessa carta. Eu deveria falar sobre como foi o meu ano? Como eu gostaria que as coisas fossem no momento em que você está lendo isso? Eu não sei. Você sabe que eu me prendo (ou prendia?) muito aos assuntos sentimentais, então eu vou falar logo sobre essa parte para o que realmente importa vir depois. Eu não sei se você se lembra, mas provavelmente sim, que o Mateus simplesmente sumiu depois de uma conversa e voltou no Natal, como se nada tivesse acontecido. Bem, vocês marcaram de conversar na semana seguinte porque eu ainda sinto falta dele, hoje, no dia que estou escrevendo a carta, o encontro ainda não aconteceu. Mas ele te deixa triste do mesmo jeito, porque eu não sei o que pensar sobre a volta dele ou sobre o que eu quero que aconteça entre nós. Ontem eu mandei mensagem e ele não respondeu, o que não é surpreendente, mas machuca mesmo assim. Sobre isso, eu só te peço (e espero!) que, por favor, você deixe de ser trouxa. Me arrisco até a querer que a partir deste momento você não se apaixone nunca mais, porque, bem, o que isso te trouxe de bom? Eu sei, eu sei que trouxe coisas e pessoas boas enquanto durou, mas na minha cabeça, esse não é o ponto e eu sei que você me entende. Nosso pai está com problemas de saúde. Mais problemas de saúde. Agora ele vive sentindo dores por todos os lados e tomando mais remédios do que já tomava. Eu espero que quando você estiver lendo, sequer se lembre disso, como uma sinal de que ele está melhor e vivendo bem. Falar da nossa mãe é um assunto complicado, mas só porque ela é complicada. Agora ela está sendo obsessiva, até demais, com tudo relacionado a astrologia e espiritualidade. E tem uma pessoa, um cara que ela chama de Primo e jura que ele foi o amor dela na vida passada, por isso inevitavelmente, eles se encontraram nessa vida e talvez precisem ficar juntos, ou não. Ela ainda não decidiu. Essa é a nossa crença, nós crescemos acreditando em espíritos e reencarnação, mas às vezes eu não consigo acreditar nela. Sinto que ela mente. Que é fácil demais usar isso tudo como forma de justificar o que ela está fazendo e isso me deixa mal. Porque parece que eu sou cúmplice de uma coisa que eu não quero ser. Espero que ela tenha largado ele, sei lá, eu nunca gostei dele. E detalhe: ela me diz que eles nunca se viram, mas eu já li mensagens falando sobre beijos. Por acaso, a gente beija a tela do celular por vídeo chamada? Acho que não. E falando sobre espiritualidade, você gastou um dinheiro com cartas né? Já faz algum tempo que eu não pego no baralho cigano pra perguntar e estudar. Nas últimas tiragens que fiz, perguntei sobre o Mateus e as respostas foram desde gravidez até DST e não tinham nada haver com a pergunta que eu fiz, ou sobre o rolo da nossa mãe e não sei qual foi a pergunta, porque ela não me contou, mas aparentemente deu tudo certo. Eu espero que você não desperdice o seu dom, que continue tirando nem que seja pra saber se vai chover ou não. E se você tiver parado, por favor, volte. Volte pro baralho cigano. Volte a tocar mbira. Volte a bordar. Volte a desenhar. Mas só volte a fazer as coisas que te faziam minimamente bem quando você precisava delas, e isso incluir voltar a assistir anime em dias felizes também. Ou escrever, sei lá. Olhando assim, eu deixei muita coisa de lado e até me parece injusto pedir a você, que eu sequer conheço, que retome as coisas do ponto em que eu parei. Acho que falar de trabalho é mais difícil ainda. Eu quero tatuar, mas eu não consigo me mover nessa direção. Ter que lidar com o Instagram e com a exposição me dá preguiça, mas eu sei que é necessário e até comprei um planner pra que nesse ano de 2021, as coisas sejam planejadas para dar certo. E eu espero que tenha dado, mas eu também sei que eu tenho expectativas altas demais. No momento, estamos trabalhando no Burguer King, mas o nosso contrato já acabou e eu estou com um pouco de medo/receio de avisar isso. Vou sentir falta das pessoas que eu conheci lá, e não tenho certeza se vou ou não ser efetivada. Eu me esforcei pra isso, mas ninguém nunca me respondeu nem que sim nem que não. Sobre isso eu nem me importo muito, sei que de um jeito ou de outro, você deu um jeito de continuar ganhando dinheiro. Sobre a UnB, é um caso sério, por causa da pandemia mundial de Covid-19 (sendo específica, caso você tenha esquecido), as aulas foram online das três disciplinas que você pegou, só ficou com uma e tirou MM nela. Daqui três dias abrem as matrículas de novo, o semestre vai durar um mês e você está em dúvida entre se matricular ou ficar um semestre tranquila, sem essa dor de cabeça. Eu me sinto dividida entre a pressão de ter que terminar, porque já comecei e a vontade de largar tudo e investir na tatuagem, mas no fim das contas me parece que eu não tenho escapatória nenhuma para lado nenhum, então deixo as coisas irem do jeito que parece que elas querem ir. Eu não tenho o controle de nada, mas talvez Deus tenha. Parei de escrever um pouco pra ouvir o que meu pai tinha para falar. Ele perguntou o que eu faço que acordo com o cabelo grudadinho. Falando nisso, o nosso cabelo está verde, crescendo saudável e todo dia nós dormimos de touca de cetim. Espero que você tenha continuado assim. Tem tanta coisa que eu quero que mude, mas eu acho que essas coisas não são com relação a você, ou a mim, mas sempre com relação as outras pessoas. Tipo, pare de ser trouxa porque o Mateus já te fez de trouxa o suficiente pra duas vidas e eu nem sei se eu realmente amo ele. Casaria com ele, mas não sei se amo ele. Não sei como me sinto em relação a situação inteira, sabe? Enfim, minhas metas para 2021 são pessoais e profissionais. Voltar a ler mais, talvez falar de literatura, mas preciso ler coisas teóricas também e aqui eu tô falando para mim, não necessariamente para você, ok? Quero passar mais tempo com as crianças que me cercam, não que sejam muitas, mas elas são preciosas mesmo assim. Sei lá. Nesse momento eu me sinto vazia e acho que me senti assim na virada do ano passado também, porque passei do mesmo jeito que passei esse ano. E pra ser sincera, tenho a impressão que as pessoas só vão pra festar encher o cu de bebida e droga no ano novo para não se sentirem assim: vazias, porque é isso. É sobre deixar tudo o que aconteceu e tudo o que nós somos e sentimos pra trás, pra ter esperança de ser uma pessoa melhor, com coisas melhores, durante um novo ano, dentro de um ciclo finito. Tem dia que eu queria apenas ser um alien. Ou um astronauta. Queria poder ficar no espaço vazio, me sentindo vazia, mas vendo como as coisas são bonitas lá do lado de fora. Queria conhecer raças diferentes da humana, talvez com esperança de que eles sejam melhores que nós. E agora eu também queria chorar um pouquinho. 2020 não foi um ano como nós planejamos, mas acho que a verdade é que nós nunca planejamos nada para novos anos. Em retrospectiva, foi um ano bom. Mostrou pra gene quem tá com a gente e quem não tá. E o Dunkell voltou a dormir na nossa casa. E você quer morar sozinha e talvez ter um rato, ou um sapo. Eu não sabia muito bem o que escrever e escrevi muita coisa. Espero que enquanto você lia, tenha conseguido se lembrar dos sentimentos que nós trouxeram até o ponto de escrever uma carta para o futuro e que foque nas coisas importantes desse sentimento. Com amor, Nátalia, a sua eu do ano passado.